Analisando o Discurso 005 – Em que planeta encontra-se a revista Veja?

Por Ranier Alves

EM QUE PLANETA ENCONTRA-SE A REVISTA VEJA? 

Frente à atual crise institucional, moral, financeira e politica enfrentada pelo Brasil nos últimos tempos, agravada pelos recorrentes escândalos de corrupção, a revista Veja, a qual carinhosamente trato de “peleja”, me lança uma matéria que traz como titulo: Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”. Um dia após o espetáculo “trágico-cômico” que foi a votação do processo de Impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no dia 17 de abril 2014.  

Dos absurdos noticiados pela revista nos últimos tempos, em nada me ofende sua eterna busca pela desmoralização da corja de políticos brasileiros. Embora faça isso de forma partidária, a mim pouco importa, uma vez que estes pobres inocentes se tornam vitimas de seu próprio veneno: a mentira!  

Mentira essa, diga-se de passagem, que é grande especialidade de nossos representantes parlamentares. Mas o que de fato enojou-me profundamente foi o discursos misógino, machista, retrógrado e pretensioso ao qual se propôs a revista “peleja” com tal matéria. 

Misógino, porque evidencia claramente o desprezo e a aversão à capacidade técnica e intelectual das mulheres, bem como o repúdio à ascensão feminina aos cargos de maior nível hierárquicos no mercado de trabalho, na politica e na sociedade como um todo. Retratando a figura feminina como um mero objeto, como é exposto neste trecho da reportagem: 

“Bacharel em direito sem nunca ter exercido a profissão, Marcela comporta em seu curriculum vitae um curto período de trabalho como recepcionista e dois concursos de miss no interior de São Paulo (representando Campinas e Paulínia, esta sua cidade natal). Em ambos, ficou em segundo lugar. Marcela é uma vice-primeira-dama do lar. Seus dias consistem em levar e trazer Michelzinho da escola, cuidar da casa, em São Paulo, e um pouco dela mesma também (nas últimas três semanas, foi duas vezes à dermatologista tratar da pele)”.
  
Machista, porque retrata a figura feminina como um ser incapaz e completamente dependente dos homens, submissa a toda e qualquer figura masculina, chegando ao cúmulo de reduzir as mulheres a um mero espectro de seus parceiros, uma espécie de parasita das “magnânimas e soberanas criaturas de cromossomo X”. O que se observa neste patético trecho da reportagem. 

“Marcela Temer é uma mulher de sorte. Michel Temer, seu marido há treze anos, continua a lhe dar provas de que a paixão não arrefeceu com o tempo nem com a convulsão política que vive o país – e em cujo epicentro ele mesmo se encontra. Há cerca de oito meses, por exemplo, o vice-presidente, de 75 anos, levou Marcela, de 32, para jantar na sala especial do sofisticado, caro e badalado restaurante Antiquarius, em São Paulo. Blindada nas paredes, no teto e no chão para ser à prova de som e garantir os segredos dos muitos políticos que costumam reunir-se no local, a sala tem capacidade para acomodar trinta pessoas, mas foi esvaziada para receber apenas “Mar” e “Mi”, como são chamados em família. Lá, protegido por quatro seguranças (um na cozinha, um no toalete, um na entrada da sala e outro no salão principal do restaurante), o casal desfrutou algumas horas de jantar romântico sob um céu estrelado, graças ao teto retrátil do ambiente”.  

Retrógrado, porque a revista Veja parece estar em outro planeta, no planeta dos anencefálicos, incultos e por hora cegos, surdos e mudos, pois no mundo em que vivemos as mulheres são criaturas brilhantes e revolucionárias, que colaboram diretamente para o avanço da civilização humana.  

Utilizar-se de práticas corriqueiras, como ir ao salão de beleza e comprar sapatos e roupas, não são dados relevantes sobre a capacidade de administração da vida cotidiana de uma mulher, e se quer deveriam ser traçados. Como  exemplo, em todas as imagens que vi de Marie Curie, ela sempre me pareceu bela, recatada e do lar. Entretanto, isso não a impediu de encontrar dois novos elementos químicos, o rádio e o polônio, e nem de ser a primeira pessoa laureada duas vezes com a maior honraria do campo técnico-científico: o Nobel de Física em 1903 e o Nobel de Química em 1911. 

Me parece que a revista “Peleja” nunca viu o belo penteado de Gertrude Belle Elion, nobel de medicina em 1988 pela descoberta dos novos princípios da quimioterapia, um dos tratamentos mais conhecidos para o combate ao câncer. 

Infelizmente, não posso me estender aqui e me referir às outras centenas e milhares de belas e recatadas mulheres que transformaram o nosso mundo, porque certamente este discurso levaria décadas. Isso somente reforça que, além de infeliz, a reportagem da Veja é desinteressante, ultrapassada, nauseante e desprovida de qualquer espécie de conteúdo. Vejamos o trecho que, para mim é um dos mais patéticos do folhetim:  

“Por algum tempo, frequentou o salão de beleza do cabeleireiro Marco Antonio de Biaggi, famoso pela clientela estrelada. Pedia luzes bem fininhas e era “educadíssima”, lembra o cabeleireiro. “Assim como faz a Athina Onassis quando vem ao meu salão, ela deixava os seguranças do lado de fora”, informa Biaggi. Na opinião do cabeleireiro, Marcela “tem tudo para se tornar a nossa Grace Kelly”. Para isso, falta só “deixar o cabelo preso”. Em todos esses anos de atuação política do marido, ela apareceu em público pouquíssimas vezes. “Marcela sempre chamou atenção pela beleza, mas sempre foi recatada”, diz sua irmã mais nova, Fernanda Tedeschi. “Ela gosta de vestidos até os joelhos e cores claras”, conta a estilista Martha Medeiros”. 
 
E por último, mas não menos importante, quanta pretensão traz essa inútil publicação, em sua tentativa de prover a presidente da república Michel Temer, atribuindo à sua esposa o título de primeira-dama. Tudo isso mediante a um processo de impitimam, duvidoso e orquestrado por um criminoso conhecido como Eduardo Cunha, que não por coincidência é membro do partido inescrupuloso de Temer, o PMDB. A prepotência e soberba da revista é revelada no subtítulo do tabloide: 

“ A quase primeira-dama, 43 anos mais jovem que o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura dos joelhos e sonha em ter mais um filho com o vice”.

Não me abstendo do direito inquestionável de Marcela Temer de optar por ser uma dona de cassa, apenas evidencio aqui o descompromisso da revista “peleja” e a infeliz pseudo-reportagem de Juliana Linhares, que escutou como fonte o cabeleireiro Marco Antonio de Biaggi , a estilista Martha Medeiros e até a própria irmã de Marcela, Fernanda Tedeschi; em detrimento da opinião pessoal da própria Marcela Temer que, de tão recatada, foi silenciada sobre os acontecimentos de sua própria vida, tornando-se por via dos fatos invisível. 

Como dito na última linha do texto de Juliana Linhares: “Michel Temer é um homem de sorte”. 

Link para materia da revista Veja:
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/bela-recatada-e-do-lar

Podcast: Analisando o Discurso

Texto, Locução, Roteiro, Imagem, Gravação e Edição: Ranier Alves